Danielle Herculano
Gabriel Leal
Matheus Ferreira
Macete de pedra sabão, grãos de café, beterrabas e repolhos. Frutos da história da Vila Cafundão (Foto: Gabriel Leal)
Regiane Aparecida Lana Fonseca e Roziane Mônica da Fonseca, enfrentavam uma rotina fatigante. Com apenas 5 anos, levavam cerca de uma hora até a escola em Cachoeira do Brumado. A distância nem era tão grande assim, algo próximo a 10 quilômetros, mas, sem transporte escolar, as meninas precisavam ir a pé. Na época das águas, com muitas chuvas, encaravam o barro por todo o caminho. Nem todos tinham condição de comprar sapatos e, mesmo os que tinham, faziam todo esse caminho descalços para não sujar os calçados e nem correr o risco de estragá-los (afinal eram vários irmãos e comprar sapatos novos era complicado). Próximo a escola, encontravam um riacho, na casa de uma senhora, onde lavavam os pés e, finalmente, calçavam os sapatos. Na volta, era a mesma labuta.
Saíam cedo de casa e chegavam depois da metade do dia. Sentavam na mesa da cozinha, na presença do fogão a lenha de cimento queimado e sentiam o cheiro da lenha misturado ao da comida; após o almoço seguiam para o trabalho na roça. A casa, sem forro, expunha as estruturas de madeira do telhado do lugar. Ali, as telhas de barro eram parte do cenário. Talvez hoje tenha seu charme, mas só para quem não sabe o quão frio pode ser. Serviam boa parte da comida em utensílios de pedra sabão, produtos abundantes por toda a região.
Na região de Cachoeira do Brumado, a pedra sabão fez-se presente em muitas gerações, de muitas famílias. São mais de cem anos de tradição. No início, movidos pelos tornos mecânicos e mantidos pelas rodas de água, até atualmente, onde tudo é alimentado pela energia. Hoje, no distrito, são produzidas por dia, cerca de duas mil panelas. O foco passou do uso pessoal, no passado, para venda turística na região, no presente.
Na casa de Regiane, tudo que consumiam era produzido por eles próprios. A carne, o arroz, o feijão, os legumes, o café e tudo que fosse necessário. Com uma pequena horta, o chiqueiro e um modesto curral. A exígua propriedade, com cerca de 4 hectares (algo próximo a 40 mil metros quadrados), é oriunda da reforma agrária, essa de 1995, feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), onde assentaram 12 famílias, incluindo a de seu José Egídio da Fonseca, pai de Regiane e Roziane.
Outra ocupação das mulheres, acerca da qual a matriarca da família, dona Dulcineia Martins de Lana Fonseca, tem prazer em contar, era a produção do tapete, hoje feito com sisal (material que costumeiramente é comprado na Bahia e trazido para Minas Gerais). No passado, ele era produzido a partir de uma planta de nome pita ou piteira, oriunda do méxico e com poucos registros da sua chegada ao Brasil séculos atrás. A confecção do tapete (hoje tida como artesanato) era custosa. Cortava-se a piteira, com ela ainda verde, batia-se com ela na pedra até amolecê-la e, nesse processo, a planta acabava soltando uma seiva branca, causadora de muitas coceiras e algumas irritações. Depois de se certificar que estava no ponto, várias folhas eram amarradas e colocadas de molho, geralmente em algum poço (seu Zé deixou de usar o rio depois de perder folhas para enchentes). As folhas ficavam durante cerca de 15 dias na água e, depois, eram batidas novamente. Mais uma vez, para deixá-las macias. Durante todo esse processo, ainda tinham que tomar cuidado com os espinhos nas bordas, uma vez que na época não tinham luvas para trabalhar. Depois que estivesse no ponto, colocavam em um bambu para secar e tinham que tomar o cuidado para que a chuva não viesse e acabasse mofando todo o material. Agora ainda vinha o processo de colocar as fibras na forma e tecer o tapete. Tudo era feito manualmente e o maior molde tinha 2 metros por 3 metros. Roziane conta que fazia o maior deles sozinha, tomava um dia todo para a produção, acordava praticamente junto com o sol e terminava depois da virada do dia, somando mais de 15 horas para tecer. Ela hoje diz que já fez muito esse trabalho, mas que não gostaria que ninguém fizesse, por ser extremamente penoso.
Quando não estavam no tapete, Regiane e Roziane juntavam-se aos pais e aos seus outros 3 irmãos no zelo da produção dos alimentos. Todos produziam, todos consumiam. Tudo era feito apenas para a subsistência, não tinham intenção de lucro. O pouco dinheiro que ganhavam era com a venda dos tapetes, vendidos a atravessadores, que ficavam com quase todo o lucro e tomavam meses para pagar. Vez ou outra, com um pequeno excedente nos alimentos, negociavam com os vizinhos para ajudar.
No fim de tudo, as irmãs ainda conseguiam um tempinho para serem crianças e brincar. Uma das atividades preferidas tinha o rio como protagonista: eram as cachoeiras. Gostavam sempre de fugir um pouquinho da mãe para um banho divertido e refrescante. No final, dona Dulcineia sempre soube onde as meninas estavam, às vezes nem ligava de isto acontecer, sabia que as crianças precisavam ter seus momentos de lazer. Mesmo com tudo isso, ainda tinha que sobrar tempo para que os deveres escolares e os estudos fossem postos em dia.
Na foto, da esquerda para a direita, Regiane, Roziane, Seu Zé e Dona Dulce (Foto: Gabriel Leal)
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